
Já temos uma definição de Igreja com base nos
termos bíblicos primários, como ekklêsia (um grupo de cidadãos reunidos
visando um propósito específico) e kuriakos (um grupo que pertence ao Senhor).
A natureza da Igreja, no
entanto, é por demais extensivas para ser englobada em poucas e simples
definições. A Bíblia emprega numerosas descrições metafóricas da Igreja, sendo
que cada uma delas retrata um aspecto diferente do que ela é e do que é chamada
a fazer. Paul Minear observa que cerca de oitenta termos neotestamentários
delineiam o significado e o propósito da Igreja. Explorar cada um deles seria
um estudo fascinante. Mas, no presente capítulo, bastará examinar as
designações mais relevantes.
1. POVO DE
DEUS
O apóstolo Paulo
aproveita a descrição de Israel no Antigo Testamento, aplicando-a a Igreja do
Novo Testamento quando declara: "Como Deus disse: Neles habitarei e entre
eles andarei; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo" (2 Co 6.16;
Lv 26.12).
Por toda a Bíblia a
Igreja é retratada como o povo de Deus. Assim como no Antigo Testamento Deus
criou Israel a fim de ser um povo para si mesmo, também a Igreja no Novo
Testamento é criação de Deus, "o povo adquirido" por Ele (1 Pe
2.9,10; Dt 10.15; Os 1.10).
Desde o começo da Igreja
e no decurso de sua história, fica evidente que o destino da Igreja está
alicerçado na iniciativa e vocação divinas. Conforme Robert L. Saucy, a Igreja é "um povo chamado
para fora por Deus, incorporado em Cristo e habitado pelo Espírito".
A Igreja, como povo de
Deus, é descrita em termos muito significativos. A Igreja é um corpo
"eleito". Isto não significa que Deus tem arbitrariamente escolhido
uns para a salvação e outros para a condenação eterna. O povo de Deus é chamado
"eleito" no Novo Testamento porque Deus tem "escolhido" a
Igreja para fazer a sua obra nesta era, por meio do Espírito Santo, que está
ativamente
operante a santificar os crentes e conformá-los à imagem de
Cristo (Rm 8.28,29).
2. OS
SANTOS
Mais de cem vezes o povo
de Deus é chamado os "santos" (gr. hagioi) de Deus, no Novo Testamento. Não se entenda
as pessoas assim designadas como uma condição espiritual superior, nem seu
comportamento perfeito ou "santo". (As muitas referências à Igreja em
Corinto como "santos de
Deus" devem servir de indício suficiente desse fato.) Pelo contrário,
ressalta-se novamente que a Igreja é a criação de Deus e que, pela iniciativa
divina, os crentes são "chamados para serem santos" (1 Co 1.2).
O povo de Deus é
frequentemente designado como os que estão "em Cristo", o que dá a
entender sejam beneficiários da obra expiadora de Cristo e participem
coletivamente dos privilégios e responsabilidades de serem chamados cristãos
(gr. cristianous).
3. CRENTES,
IRMÃOS E DISCÍPULOS
Alude-se também ao povo
de Deus de outras maneiras. Três delas merecem ser mencionadas resumidamente
aqui: "crentes", "irmãos" e "discípulos".
a)
"Crentes" provém do termo grego pistoi ("os fiéis"). Esse
termo dá a entender que o povo de Deus não somente creu, ou seja: em algum
momento do passado deu assentimento mental à obra salvífica
de Cristo, mas também vive continuamente em atitude de fé, confiança obediente
e da dedicação ao seu Salvador. (Esse fato é ressaltado ainda por pistoi normalmente
ser encontrado no tempo presente no Novo Testamento, o que denota ação
contínua).
b)
"Irmãos" (gr. adelphoi) é um termo genérico,
que se refere tanto a homens quanto a mulheres, frequentemente usado pelos
escritores do Novo Testamento para expressar o fato de que os cristãos são
chamados para amar, não somente ao Senhor, como também uns aos outros (1 Jo
3.16). O amor mútuo e a comunhão são inerentes entre o povo de Deus e servem
para lembrar que, independentemente de vocação ou cargo individual no
ministério, todos os irmãos desfrutam de uma posição de igualdade na presença
do Senhor (Mt 23.8).
c) A palavra
"discípulos" (gr. mathêtai) significa "aprendizes",
"alunos" ou "estudantes". Ser aluno nos tempos bíblicos
significava muito mais que escutar e assimilar mentalmente as informações
dadas pelo professor. Esperava-se também que o aluno imitasse o caráter e a
conduta do professor. O povo de Deus é realmente conclamado a ser discípulo
semelhante ao seu Mestre, Jesus Cristo. Conforme declara Jesus: "Se vós
permanecerdes na minha palavra,
verdadeiramente, sereis meus discípulos" (Jo 8.31).
Jesus não oferece
nenhuma falsa impressão da vida de discípulo, como se fosse fácil e
popularmente atraente (ver Lc
14.26-33), mas a tem por essencial àqueles que desejarem segui-lo.
O teólogo alemão
Dietrich Bonhoeffer, acertadamente, observa que o verdadeiro discipulado cristão requer a disposição de
deixar morrer o
ego e de entregar tudo a
Cristo. O discipulado autêntico é possível somente através do que Bonhoeffer
chama "graça dispendiosa", acrescentando: "Essa graça é dispendiosa
porque nos chama a seguir, e é graça porque nos chama a seguir Jesus
Cristo. E dispendiosa porque custa ao homem sua própria vida, e é graça
porque dá ao homem a única vida verdadeira".
4. CORPO DE CRISTO
Figura bíblica da máxima
relevância para representar a Igreja é o "corpo de Cristo". Era a
expressão predileta do apóstolo Paulo, que frequentemente comparava os
inter-relacionamentos e funções dos membros da Igreja com partes do corpo
humano. Os escritos de Paulo enfatizam a verdadeira união, que é essencial na
Igreja.
Por exemplo: "O
corpo é um e tem muitos membros... assim é Cristo também" (1 Co 12.12). Da
mesma forma que o corpo de Cristo tem o propósito de funcionar eficazmente como
uma só unidade, também os dons do Espírito Santo são dados para equipar o corpo
"pelo Espírito Santo... o mesmo Senhor... o mesmo Deus que opera tudo em
todos... para o que for útil" (1 Co 12.4-7). Por esta razão, os membros do
corpo de Cristo devem agir com grande cautela "para que não haja divisão
[gr. schisma] no corpo, mas, antes,
tenham os membros iguais cuidados uns dos outros" (1 Co 12.25; Rm 12.5).
Os cristãos podem ter
essa união e mútua solicitude porque foram todos "batizados em um
Espírito, formando um corpo" (1 Co 12.13). A presença do Espírito Santo,
habitando em cada membro do corpo de Cristo, permite a manifestação legítima
dessa união. Gordon D. Fee declara, com
razão: “Nossa necessidade urgente é uma obra soberana do Espírito para fazer
entre nós o que nossa 'união programada não consegue fazer”.
Embora
deva existir união no corpo de Cristo, não se constitui antítese enfatizar que
é necessária a diversidade para o bom funcionamento do corpo de Cristo. No
mesmo contexto em que Paulo enfatiza a união, também declara: "Porque
também o corpo não é um só membro, mas muitos" (1 Co 12.14).
Referindo-se à
mesma analogia, em outra Epístola, Paulo declara: "Assim como em um corpo
temos muitos membros, e nem todos os membros têm a mesma operação..." (Rm 12.4). Fee observa que a união "não importa na
uniformidade... nem pode existir verdadeira união se não há diversidade".
A
preciosa relevância dessa diversidade é ressaltada em todas as partes de 1 Coríntios 12,
especialmente em conexão com os dons espirituais, tão essenciais ao ministério
da Igreja (ver 1 Co 12.7-11,27-33; Rm 12.4-8).
Deus
usa métodos diferentes para moldar os membros da Igreja. Ele não chama todos ao
mesmo ministério nem os equipa com o mesmo dom. Pelo contrário, à semelhança do
corpo humano, Deus formou a Igreja de tal maneira que ela funciona melhor
quando cada parte (ou membro) cumpre com eficiência o papel (ou vocação) a que
foi destinado.
Dessa
maneira, há uma "unidade na diversidade" dentro do corpo de Cristo.
Inerente a essa metáfora, portanto, existe a ideia da
mutualidade: cada crente cooperando com os demais membros e esforçando-se em prol da edificação de
todos. Esse modo de viver pode, por exemplo, envolver o sofrer com os que estão
sofrendo dores ou o regozijo com os que estão sendo honrados (1 Co 12.26).
Implica também em levar o fardo de um irmão ou irmã no Senhor (Gl 6.2) ou ajudar na restauração de quem caiu no pecado
(Gl 6.1).
Há,
nas Escrituras, uma infinidade de práticas citadas como exemplos dessa
mutualidade. A lição principal é que nenhum membro individual do corpo de
Cristo pode ter um relacionamento exclusivo e individualista com o Senhor.
Cada
"indivíduo" é, na realidade, um componente necessário à estrutura
corpórea da Igreja. Assevera Claude Welch: "Não há cristianismo puramente
particular, porque estar na igreja é estar em Cristo, e qualquer tentativa no
sentido de fazer uma separação entre o relacionamento com Cristo pela fé e a
afiliação na igreja, é uma perversão do modo neotestamentário de entender o
assunto".
Um
último aspecto na figura do corpo de Cristo é o relacionamento entre o Corpo e
sua Cabeça, Jesus Cristo (Ef 1.22,23;
5.23). Como
Cabeça do Corpo, Cristo é tanto a fonte quanto õ sustento da vida da Igreja. À
medida que seus membros se curvarem à liderança de Cristo e funcionarem
conforme Ele deseja, o corpo de Cristo será alimentado e sustentado e "vai
crescendo em aumento de Deus" (Cl 2.19). A
unidade, a diversidade e a mutualidade, indispensáveis ao corpo de Cristo,
podem ser conseguidas à medida que "cresçamos em tudo naquele que é a
cabeça, Cristo, do qual todo o corpo... segundo a justa operação de cada parte,
faz o aumento do corpo, para sua edificação em amor" (Ef 4.15,16).
5. TEMPLO DO ESPÍRITO
Outra
figura muito significativa da Igreja, no Novo Testamento, é "o templo do
Espírito Santo". Os escritores bíblicos empregam vários símbolos para
representar os componentes da construção desse templo, que têm seu paralelo
nos materiais necessários à construção de uma estrutura terrestre.
Por
exemplo: toda edificação precisa de um alicerce sólido. Paulo indica com
clareza que o alicerce primário da Igreja é a pessoa e obra históricas de
Cristo: "Porque ninguém pode pôr outro fundamento, além do que já está
posto, o qual é Jesus Cristo" (1 Co 3.11).
Em
outra Epístola, no entanto, Paulo afirma que, em outro sentido, a Igreja é
edificada "sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas" (Ef 2.20). Talvez isto signifique que esses primeiros líderes
tivessem sido usados de modo muito especial pelo Senhor, a fim de estabelecer e
fortalecer o templo do Espírito com os ensinos e práticas que haviam aprendido
de Cristo e que continuam a serem comunicados aos crentes hodiernos através das
Escrituras.
Outro
componente dessa edificação espiritual, que existe em estreita relação com o
alicerce, é a "principal pedra da esquina".
Nas
edificações modernas, a pedra da esquina é usualmente mais simbólica que parte
integrante dos alicerces, onde é gravada a data
em que foi lançada e os nomes dos principais benfeitores envolvidos. Na era bíblica, no entanto, a
pedra da esquina era da máxima relevância.
Normalmente maior que
as demais pedras, orientava o desenvolvimento do projeto para o restante da
edificação e dava simetria à obra inteira. Cristo é descrito como "a
principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para
templo no Senhor" (Ef 2.20,21; 1 Pe 2.6,7). As pedras normais, necessárias
para completar a estrutura, estavam ligadas à pedra da esquina.
O apóstolo Pedro retrata
os crentes desempenhando aquele papel, e os descreve "como pedras vivas,
[que] sois
edificados casa espiritual e
sacerdócio santo" (1 Pe 2.5). O termo aqui empregado por Pedro é
lithos ("pedra"), uma palavra grega muito
comum. No entanto, em contraste aos sinônimos mais familiares, petros (uma
pedra solta ou
pedregulho) e petra (uma
rocha sólida de tamanho suficiente para ser um alicerce), as "pedras
vivas" (gr. lithoi zõntes), neste contexto, sugerem "pedras
lavradas", ou seja, que foram cortadas e adaptadas pelo mestre da obra
(Cristo) para encaixaram corretamente.
Tanto em
Efésios 2 quanto em 1 Pedro 2, os verbos que descrevem a construção desse
templo usualmente estão no tempo presente, o que transmite a ideia de ação
contínua. Talvez seja possível inferir daí que os cristãos "ainda estão em
obras". O propósito é, naturalmente, enfatizar que a obra santificadora do
Espírito é um empreendimento progressivo e contínuo a fim de realizar os
propósitos de Deus na vida dos crentes. Estão sendo bem ajustados para ser um
templo santo no Senhor, edificados para tornar-se morada
de Deus no Espírito (Ef 2.21,22).
A metáfora do templo do
Espírito Santo confirma ainda mais que a terceira Pessoa da Trindade habita na
Igreja, quer individual, quer coletivamente. Por exemplo: Paulo pergunta aos
crentes de
Corinto: Não sabeis vós que sois o templo
de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?...
“O templo de Deus, que
sois vós, é santo” (1 Co 3.16,17). Nesse trecho específico, Paulo está se
dirigindo à Igreja coletivamente ("vós"). Em 1 Coríntios 6.19, Paulo faz referência ao crente
individual: "Ou não sabeis que o nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós,
proveniente de Deus?" Nos capítulos 3 e 6 de 1 Coríntios, bem como num texto semelhante, em 2
Coríntios 6.16, a palavra
empregada por Paulo com o sentido de "templo" é naos.
Diferentemente do termo
mais geral, hieron, que se refere ao templo inteiro, inclusive seus
átrios, naos significa o santuário interior, o Santo dos
Santos onde o Senhor manifesta a sua presença de uma maneira especial. Paulo
está dizendo, com efeito, que os crentes, como templo do Espírito Santo, são
nada menos que a habitação de Deus.
O Espírito de Deus não
somente transmite à Igreja poder para o serviço (At 1.8), como também a sua
vida, ao habitar dentro dela. Consequentemente, há um entendimento real de que
as qualidades que exemplificam sua natureza (por exemplo, o "fruto do Espírito",
Gl 5.22,23) acham-se na Igreja, evidenciando, assim, que ela está andando no
Espírito (Gl 5.25).
6. OUTRAS FIGURAS
Além do conjunto um
tanto trinitariano das figuras da Igreja, mencionadas supra (povo de Deus,
corpo de Cristo, templo do Espírito Santo), muitas outras metáforas bíblicas
nos ajudam a ampliar a perspectiva da natureza da Igreja.
Retratos da Igreja como
o sacerdócio dos crentes (1 Pe 2.5,9), a Noiva de Cristo (Ef 5.23-32), o
rebanho do Bom Pastor (Jo 10.1-18) e os sarmentos da Videira verdadeira (Jo 15.1-8) são algumas amostras
das diversas maneiras como as Escrituras representam a composição e as
características distintivas da Igreja verdadeira, que consiste nos redimidos.
De maneiras diferentes,
essas figuras de linguagem ilustram a identidade e propósito da Igreja, que
Jesus expressa de modo tão belo na sua oração sacerdotal: [Rogo] para que todos sejam um, como tu, ó
Pai, o és em mim, e eu, em ti; que também eles sejam um em nós, para que o
mundo
creia que tu me
enviaste... para que eles sejam
perfeitos em unidade, e para que o mundo conheça que tu me enviaste a mim e que tens amado a eles como me tens
amado a mim (Jo 17.21,23).
Referência:
- Site: Cristão Alerta {
www.cristaoalerta.com.br }
- A Doutrina da Igreja. Escola Bíblica ECB. Ed.2019. São
Paulo.