MARISA LETÍCIA ROCCO CASA

🎯 A primeira representante da classe operária a se tornar primeira-dama, a “primeira-companheira”.

Marisa Leticia tinha 9 anos quando foi trabalhar como babá dos filhos de Jaime Portinari, sobrinho do pintor Cândido Portinari, dentista em São Bernardo do Campo, na Região Metropolitana de São Paulo. O município para onde imigraram no início do século XIX as famílias italianas Rocco e Casa, antepassados daquela menina-babá, foi o berço do sindicalismo moderno no país, onde surgiu seu mais importante líder, Luiz Inácio Lula da Silva. A família de Lula se mudou para São Paulo em meados do século XX, fugindo da fome no Nordeste. Iriam passar 43 anos juntos, até a morte de Marisa Leticia, que sofreu um derrame em 24 de janeiro de 2017 e faleceu dez dias depois. Mas, até que se encontrassem na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, ambos passariam por tragédias pessoais que marcaram suas vidas, mas serviram para aproximá-los.

A menina de cabelos loiros e olhos verdes era filha de Antonio João Casa e Regina Rocco, agricultores cujas famílias se instalaram na área rural de São Bernardo do Campo. Antonio e Regina tiveram 15 filhos. Três morreram no parto. O casal deixou a roça quando Marisa Leticia tinha 5 anos e se mudou para o Centro da cidade, onde os irmãos já trabalhavam como operários. A menina não estudou, como contou ao jornal “O Globo” sua irmã, Teresa Otília Casa. “Para o meu pai, os filhos não podiam estudar, e as filhas só podiam fazer até o quarto ano primário. Foi isso que nós estudamos.”

Com 14 anos, a italianinha deixou de ser babá e se tornou operária da fábrica de doces Dulcora, que produzia o famoso drops campeão de vendas nas décadas de 1960 e 1970. O prédio da empresa chamava a atenção na Via Anchieta — que liga a cidade de São Paulo à Baixada Santista, no litoral sul do estado, passando por São Bernardo do Campo — pelos imensos drops usados para formar o logotipo da marca. Com 19 anos, Marisa Leticia deixou o emprego para se casar.

O primeiro marido da jovem operária era metalúrgico. Marcos Cláudio dos Santos também tinha 19 anos quando se casou com Marisa Leticia, que engravidou na lua de mel. Com a mulher em casa, esperando o primeiro filho, ele passou a dirigir o táxi do pai, Cândido dos Santos, depois do turno na fábrica. Estavam casados há seis meses quando, num assalto, Marcos teve o dinheiro da féria, seu relógio e a carteira roubados. Os criminosos atiraram. O rapaz morreu na hora. Os três meses finais da gestação da viúva Marisa Leticia prosseguiram à base de remédios para não perder o filho, que nasceu saudável e foi batizado com o nome do pai.

Lula, que era então operário das Indústrias Villarcs, havia perdido a mulher, Lourdes, vítima de hepatite, em maio de 1971. Ela estava grávida, e o filho que gestava morreu também. Tomara-se, em 1972, primeiro secretário do departamento jurídico do Sindicato dos Metalúrgicos. Em 1973, vencera o luto e estava “vivendo inúmeras aventuras amorosas”. Como voltava tarde para casa, tinha que pegar táxi. Tornou-se freguês do motorista de um Fusquinha, que um dia lhe contou que perdera o filho único, um metalúrgico que dirigia o táxi depois do expediente na fábrica, assassinado num assalto. E mostrou-lhe a foto da nora.
Casada com Luiz Inácio Lula da Silva
MARISA LETÍCIA ROCCO CASA - nome de
solteira.
Nascimento: 7 de abril de 1950
Morte: 3 de fevereiro de 2017
Casada com Luiz Inácio Lula da Silva
Primeira-dama de 1º de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2010

No dia seguinte, ao chegar ao sindicato, Lula pediu que, se alguma jovem viúva fosse ao departamento jurídico, ele deveria ser avisado. A moça não tardou a procurar a instituição para conseguir o carimbo necessário à liberação da pensão do marido. Lula deu um jeito de fazer com que Marisa Leticia voltasse outras vezes, até conseguir seu telefone. Passou a ligar para a casa da moça insistentemente. Descobriu o endereço dela e, uma noite, foi até lá. “Marisa estava esperando seu namoradinho ir apanhá-la e ambos chegaram juntos. Sem cerimônia, Lula dispensou o moço e avisou à mãe de Marisa que ele, Luiz Inácio da Silva, era o namorado dela”.

Maria Leticia foi apresentada à família de Lula num churrasco na Praia Grande, então uma praia popular da Baixada Santista, que também abrigava várias colônias de férias de operários e outros trabalhadores. Dona Lindu, mãe de Lula, aprovou a escolha. Do momento em que botou o namorado de Marisa Leticia para escanteio até o casamento, em 25 de maio de 1974, passaram-se sete meses. A cerimônia foi na Capela de Santo Antônio, que um dos avós da noiva havia construído no Bairro dos Casa, e a lua de mel, em Campos do Jordão. Lula já era primeiro-secretário do sindicato.

No ano seguinte, o marido de Marisa Leticia foi eleito presidente da entidade. Começava ali a carreira de líder que o levaria à Presidência do país. O primogênito do casal, Fábio Luís, já tinha nascido no dia da posse de Lula no sindicato, que reuniu autoridades, entre elas o governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins. O casal criava também o menino de Marisa, Marcos, que, ao completar 10 anos, pediu ao padrasto que o adotasse como filho.

O sindicato que Lula presidiria mais uma vez, reeleito em 1978, fora criado em 1933. Na época, representava os metalúrgicos de todo o ABC: Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano. Com a instalação da indústria automobilística na região, em 1959, cresceu em importância e representatividade. Formou-se ali a elite do operariado, que iria desempenhar importante papel na retomada da democracia, por meio da luta contra o arrocho salarial que se seguiu ao Milagre Econômico do governo Médici. Em 1976, os metalúrgicos marcariam presença no cenário político com uma grande manifestação no 1° de Maio. No ano seguinte, os metalúrgicos do ABC fizeram uma campanha por reposição salarial de 34,1%, porque o próprio governo admitira que manipulara os índices e os salários perderam poder de compra com reajustes menores.

O ano de 1978 assistiria ao ressurgimento das greves de operários na região. Novamente, uma grande manifestação em 1° de Maio deixaria os militares de orelha em pé. Onze dias depois, os operários da Scania entraram na fábrica, bateram o cartão e cruzaram os braços. Eles tinham recebido o comprovante de pagamento com o reajuste determinado pelos militares e que fora aceito pela federação dos metalúrgicos, em mãos de dirigentes submissos ao governo, os pelegos. Começava a greve que iria mudar a história do sindicalismo e da luta política no país. O movimento se espalhou pelo ABC e outras regiões. Foram centenas de paralisações que desafiavam a lei de greve e a política econômica da ditadura.

Em 1979, o movimento cresceu ainda mais. Uma assembleia convocada para o estádio de futebol da cidade, de Vila Euclides, lotou o espaço. Sem sistema de som, as falas de Lula e demais dirigentes eram repetidas pelos operários mais próximos, pelos que estavam em seguida, e assim sucessivamente, para que, em ondas, pudessem ser ouvidas. Dias depois, começou a greve geral de metalúrgicos que acabou arrancando um acordo melhor das montadoras. “As fábricas pararam em São Bernardo, Santo André, São Caetano e depois em São José dos Campos e Jundiaí. No quarto dia já eram 170 mil os grevistas. A cada dia a Polícia Militar aumentava a repressão, espancando, prendendo, mas a greve não cedia. Nas negociações, os representantes dos empresários não ofereciam nada de concreto. Em assembleias lotadas, os trabalhadores decidiam continuar parados.”

No nono dia de greve, a ditadura decretou a intervenção nos sindicatos de São Bernardo, Santo André e São Caetano. Mas a greve ainda resistiria. Foram 41 dias de paralisação. A diretoria que Lula encabeçava foi cassada. A mulher de Lula, além dos problemas que vivia com a repressão ao movimento dos metalúrgicos, reviveu a dor da perda do primeiro marido. O pai dele, Cândido, foi assassinado da mesma forma que o filho: num assalto ao táxi que ainda dirigia.

Com a cassação da diretoria do sindicato, Marisa Leticia viu a casa em que morava com Lula e os filhos transformada no quartel-general do movimento. A polícia passou a vigiar o imóvel, comprado através do BNH, o Banco Nacional de Habitação, que construía moradias populares. Marisa Leticia temia pela vida das crianças — além de Marcos Cláudio e Fábio Luís, já tinham outros dois filhos, Sandro e Luís Cláudio — e também pela do marido. E pela sua sorte. O jornalista Vladimir Herzog foi assassinado nas dependências do II Exército, em São Paulo, em 1975, e sua mulher ficara sozinha com os filhos para criar. O mesmo havia acontecido ao também operário metalúrgico Manoel Fiel Filho, em 1976, morto sob tortura nas mãos dos militares. Era casado e tinha duas filhas.

Na madrugada do dia 19 de abril de 1980, os temores de Marisa Leticia se confirmaram: a polícia foi à sua casa para prender Lula. Era o 17° dia de mais uma greve que ele liderava. Lula foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional (LSN) e ficou 31 dias na cadeia. Marisa Leticia levava os filhos ao Dops para visitá-lo. Ela ajudou a organizar e liderou uma passeata de mães, mulheres e filhos de sindicalistas presos pelo regime. Solto em 20 de maio, Lula — com sindicalistas, trabalhadores de outras áreas, estudantes e intelectuais — fundaria naquele mesmo ano o Partido dos Trabalhadores. Maria Leticia lembrou que tinha guardado em casa, há tempos, um corte de tecido vermelho. Aplicou nele uma estrela branca de cinco pontas e o nome do novo partido. Era a primeira bandeira do PT. Essa história foi revelada por ela ao site da campanha do marido, em 2006.

Em 1981, Lula foi julgado pela Justiça Militar por seu envolvimento nas greves do ABC em 1978 e 1979, e condenado com outros dez sindicalistas, por “incitamento à desobediência coletiva às leis” com base na Lei de Segurança Nacional. A pena era de três anos e seis meses de reclusão, mas puderam recorrer em liberdade. Foram muitas as manifestações pela absolvição dos sindicalistas. Em 1981 houve um segundo julgamento. “Os seguranças não vetaram o uso de cartazes pelos manifestantes presentes. (...) Acompanharam o processo o senador Teotônio Vilela, o então suplente de senador Fernando Henrique Cardoso, o procurador Hélio Bicudo, o bispo de Santo André, Dom Cláudio Hummes e o bispo auxiliar da Abadia de Westminster (da Inglaterrra), Dom Victor Guazelli”.

O caso foi ao Supremo Tribunal Militar. Em abril de 1982, Marisa Leticia acompanhou Lula a Brasília. Era a primeira vez do casal na capital federal. A pompa e a ostentação a assustaram. “Marisa foi objetiva e direta: ‘Lula, vamos parar com tudo isso, esses caras não vão deixar você chegar ao poder nunca’. A corte decidiu, por maioria de votos (9 a 3), encaminhar o caso à Justiça Federal para ser julgado sob a Lei de Greve. (...) A ação foi prescrita antes de chegar a julgamento na Justiça Federal.”

Marisa pouco apareceu nas campanhas de 1982, quando Lula concorreu ao governo de São Paulo, e em 1986, ao ser eleito deputado federal. Na primeira campanha presidencial, em 1989, que ele perdeu para Collor e o relacionamento com Miriam Cordeiro veio à tona, Marisa também não teve participação ativa, assim como nas eleições à Presidência de 1994 e 1998. Mas foi importante na campanha de 2002. “Quando Lula despontava como favorito na eleição presidencial, Marisa passou por uma transformação no visual. Mudou o corte de cabelo e a maquiagem. Sofisticou o guarda-roupa e fez um lifting facial. Tudo para acompanhar as mudanças do marido, que passou a usar ternos bem cortados e a barba aparada.”

Seus amigos a descreviam como uma mulher que vivia para a família, era vaidosa e tinha muito ciúme de Lula. Não sem motivo. Lula teria mantido um caso extraconjugal desde o início da 1990 com Rosemary Noronha. Os dois se conheceram numa agência bancária no Centro de São Paulo, onde ela trabalhava. Segundo a irmã, Sônia Nóvoa, Lula levava a amante para suas viagens ao exterior, inclusive quando assumiu a Presidência da República. “Ela me chamava para os jantares românticos com o Lula. E eu ia. Eu até consegui convites para shows do Roberto Carlos e do Roupa Nova. Só pude assistir porque minha irmã me convidava”, contou Sônia em entrevista à revista “IstoÉ”, em janeiro de 2019.

Em 2002, Lula nomeou Rosemary assessora de gabinete no escritório da Presidência em São Paulo. Quatro anos depois, ele a promoveu à chefia do gabinete. Foi quando Marisa Leticia desconfiou do relacionamento. A revista, Sônia disse que a primeira-dama nunca gostou da assessora. Rosemary, no entanto, só foi afastada do cargo em 2013, após ser indiciada pela Polícia Federal nos crimes de formação de quadrilha, tráfico de influência e corrupção, resultado da operação Porto Seguro, deflagrada em 2012. A ação investigava um esquema de favorecimento a empresários em nomeações para cargos públicos. Em 2014, a Justiça a transformou em ré e, desde então, a família nunca mais teve notícias de Rosemary, segundo a irmã.

Marisa Leticia teve atuação discreta nos dois mandatos do marido, atuou nos bastidores. “Ao contrário de grande parte delas, (...) Marisa não se importa de ser chamada pelo pomposo título de primeira-dama. Filha de lavradores, gosta da terra e de plantas e vai sentir muito a falta do sítio, onde, nos fins de semana, costuma reunir a família. Como em toda família descendente de italianos, no sítio as tarefas são divididas: ela e o marido, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, cozinham, um dos filhos arruma a mesa e outros lavam os pratos. Por enquanto, Marisa quer continuar sendo mãe, mulher e companheira. (...) ‘Pretendo, se puder, me dividir entre Brasília, ajudando Lula, e São Paulo, cuidando dos netos’, afirma Marisa”, escreveu Jorge Bastos Moreno no jornal “O Globo” em reportagem de 3 de novembro de 2002, quando Lula foi eleito para seu primeiro governo.

Ao longo das duas gestões de Lula à frente do Executivo, Marisa não exerceu cargo filantrópico, mas mantinha uma sala ao lado do gabinete presidencial, no terceiro andar do Palácio do Planalto. O país tinha notícia dela principalmente nas viagens internacionais em que acompanhava o presidente. Como primeira-dama, ficou conhecida pelos churrascos de fim de semana e pelas festas juninas que organizava, nas quais aparecia a caráter ao lado do marido. Ela também foi criticada quando fez um canteiro de flores vermelhas reproduzindo a estrela do PT nos jardins do Palácio da Alvorada e da Granja do Torto. Os canteiros foram removidos.

Quando Lula deixou o poder, esteve ao seu lado durante o tratamento contra o câncer a que ele se submeteu, em 2011. “Dizia-se, na época, que ela controlava quem podia e quem não podia visitá-lo, para evitar que se cansasse”.74 Marisa Leticia virou ré em uma ação penal da Operação Lava-Jato em dezembro de 2016, acusada de crime de lavagem de dinheiro ao lado do marido. De acordo com a denúncia, teria incentivado Lula a aceitar o apartamento triplex do Guarujá, que seria um presente da construtora OAS. A Lava-Jato também afirmara que Marisa Leticia teve ingerência na decoração do sítio de Atibaia, reformado por empreiteiras interessadas em negócios com a Petrobras.

Em depoimento ao então juiz Sérgio Moro, em 10 de maio de 2017, em Curitiba, o ex-presidente Lula atribuiu as decisões a respeito do apartamento triplex no Guarujá à ex-primeira-dama, já falecida. O petista havia negado ser dono do imóvel. “Eu ouvi falar desse apartamento em 2005, quando comprou, e fui voltar a ouvir falar do apartamento em 2013. Ninguém nunca conversou comigo. Eu não sabia que esse apartamento estava na OAS. Eu queria pedir uma coisa. E muito difícil para mim toda hora que o senhor cita a minha mulher sem ela poder estar aqui para se defender. Uma das causas que ela morreu foi a pressão que ela sofreu”, disse o ex-presidente.

Reportagem publicada pela revista “Época” de janeiro de 2017, quando Marisa teve o AVC, informava que a ex-primeira-dama “sabia havia alguns anos da existência do aneurisma (dilatação anormal de uma artéria), que provocou o acidente vascular cerebral hemorrágico”. Os médicos decidiram não operá-lo porque era pequeno. “Nos últimos meses, o aneurisma cresceu até atingir pouco menos de um centímetro. A consequência foi um sangramento discreto no lado esquerdo do cérebro.”

Marisa estava consciente quando foi levada para o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Tinha recebido um primeiro atendimento no Hospital Assunção, em São Bernardo do Campo, com pressão arterial 18 por 12. Morreu dez dias depois, em 3 de fevereiro. Será sempre lembrada como a primeira representante da classe operária a se tornar primeira-dama, a “primeira-companheira”.


📚SUGESTÃO DE ARTIGOS PARA VOCÊ:


🔍 Publicação: Uikisearch
Referências: GUEDES, Ciça; MELO, Murilo Fiuza de. Todas as mulheres dos presidentes: a história pouco conhecida das primeiras-damas do Brasil desde o início da República. Rio de Janeiro, RJ: Máquina de Livros, 2019.


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